Ciclismo, Construir ou Destruir a massa muscular?
No Ciclismo, podemos Construir ou Destruir a massa muscular, há uma fronteira. O objectivo do artigo é esclarecer as pessoas que querem aumentar e manter a massa muscular das pernas e glúteos, através do ciclismo. Entrevistámos José Correia, Ciclista.
Fiquemforma: Qual a relação entre carga, intensidade, duração dos treinos de ciclismo de estrada com a destruição e a construção de massa muscular (quer das pernas, quer do tronco?
José Correia: Como praticante federado de ciclismo há quase 10 anos (com inúmeras participações em provas de categoria nacional e internacional), e profissional na área do treino de fundo e força, fui desafiado para contribuir para este blog com o intuito de partilhar a minha experiência enquanto atleta, face ao treino que tenho desenvolvido de forma mais sistemática nos últimos 6 anos.
Ora, é fundamental compreender os conceitos de Volume e Intensidade sendo (de forma extra simplificada) o Volume a “duração do treino” e a Intensidade a carga / velocidade de execução e respectivo tempo de recuperação entre estímulos. Estando minimamente compreendidos estes conceitos, e sendo o ciclismo uma modalidade maioritariamente de fundo/resistência, tem uma natureza altamente catabólica e fortemente apoiada na capacidade/débito cardiovascular/pulmonar do indivíduo não sendo o melhor veículo para aumentar a massa muscular de forma considerável.
Há uma fronteira no ciclismo para quem pratica musculação destruir a massa muscular?
Para quem pratica musculação e tem como objectivo aumentar a massa muscular utilizando a bicicleta, as suas sessões não devem ultrapassar 1:30h, uma vez que entre os 40 min e a primeira hora as reservas de glicogénio muscular estão depletadas e é entre esta fase e a 1:30h de treino passa a ser de resistência. Logo, é fundamental respeitar esta duração e introduzir estímulos intensos como sprints de 10/20/30 segundos, mediante o estímulo que queremos dar ao corpo ou então introduzir exercícios de baixa cadência (50/60 rpm) em subida (entre os 3/6% de inclinação para melhores resultados) utilizando os pedais como uma verdadeira prensa! Agora, muito cuidado com os joelhos uma vez que a tensão ligamentar é muito grande!
Porquê sprints e porquê exercícios de baixa cadência?
Utilizando o exemplo do maratonista e do atleta de 100 metros, estamos a falar de um recrutamento de fibras musculares específicas, neste caso, fibras musculares explosivas/ fibras brancas (nos sprints) que têm uma capacidade de assimilar estímulos de hipertrofia e aumentam consideravelmente de tamanho culminando num aumento da área transversal do músculo!
Relativamente aos treinos de baixa cadência, funcionam como um treino de potência, que embora seja realizado a uma velocidade de execução reduzida consegue fatigar o tecido muscular, sendo que, a resposta a essa fadiga se traduz numa inflamação que torna o ambiente favorável para que a hipertrofia aconteça. Até é possível combinar as duas formas de treino, um arranque do “zero” com andamentos pesados é um bom exemplo.
Acima de tudo, muita atenção às medidas da bicicleta porque existem muitas articulações envolvidas! E pior que tudo é ficar sem treinar por algo que pode ser facilmente prevenido!
Abordámos também uma personal trainer com experiência em aulas de grupo de ciclismo indoor.
Fiquemforma: Qual é a tua perspectiva empírica e metodológica sobre as aulas de ciclismo indoor, no que à composição corporal diz respeito?
Cláudia Costa: Uma das aulas mais procuradas no ginásio é a aula de ciclismo indoor. Encontram-se aulas com duração de 30, 45 ou 55 minutos, em que é o aluno que controla a intensidade.
São divertidas e de baixo impacto, simulando colinas, montanhas, planos, contra-relógios e treino intervalado com diferentes intensidades (moderada a alta). Existem picos cardiovasculares e em seguida, períodos de recuperação, através da alteração da posição corporal na bicicleta, cadência e resistência.
Os principais objectivos alcançados (visíveis e devidamente comprovados) com a frequência destas aulas são:
- o aumento da capacidade cardiorrespiratória, com a melhora do V02máx;
- diminuição da percentagem de gordura corporal, devido ao alto gasto calórico durante as aulas (500 a 675 calorias/aula);
- diminuição do perímetro abdominal;
- fortalecimento dos músculos dos membros inferiores, e dependendo das manobras executadas durante as aulas, a musculatura abdominal e lombar também podem ser solicitadas e fortalecidas.
A principal capacidade trabalhada e desenvolvida neste tipo de actividade é a resistência geral aeróbia e anaeróbia, já que o exercício em questão consiste numa actividade cíclica e com mais de oito minutos de duração (BOMPA, 2002), e envolve mais do que 1/6 a 1/7 da musculatura esquelética total, com carga superior a 50% da capacidade do organismo (HOLLMANN et BARBANTI, 1979). Acontece também, efectivamente uma hipertrofia dos músculos esqueléticos e um aumento da força muscular.
Apesar de todas estas mais-valias, temos de ter em atenção o equilíbrio das massas musculares. Assim, é importante treinar também os membros superiores, para que não haja uma discrepância entre membros. Existe uma solicitação do centro do corpo (CORE) durante a aula, para uma estabilização do corpo e rentabilização do esforço exigido no exercício. Mas a musculatura dos membros superiores não é solicitada com a mesma intensidade. O treino de musculação vai colmatar esse déficit e equilibrar a parte superior do corpo com a inferior.
Aconselho que fale com um profissional para preparar um plano de treino equilibrado, tendo em conta o seu objectivo, o número de sessões de treino semanais, e também aquilo que gosta de fazer. Procure algo que lhe dê prazer, pois só assim consegue ter continuidade, desenvolver adaptações morfológicas e manter-se focado no seu treino de modo a alcançar os seus objectivos.
Apesar da Fisiologia ser clara, quando ao momento a partir do qual são esgotadas as reservas de glicogénio e onde começa o processo catabólico, como referiu anteriormente José Correia, entre os 40 e os 60 minutos. Partilhamos aqui o estudo sobre a análise das características musculares e funcionais dos membros inferiores em atletas praticante de ciclismo por meio da avaliação da força, da potência e dos desequilíbrios musculares.
Características funcionais dos membros interiores dos ciclistas
Arielle Santana Martins e Thiago Vilela Lemos analisaram as características musculares e funcionais dos membros inferiores em atletas praticantes de ciclismo por meio da avaliação da força, da potência e dos desequilíbrios musculares.
«O objetivo do presente estudo foi analisar o efeito agudo de um exercício de duas horas de ciclismo envolvendo sprints repetidos sobre a perda de força muscular e sobre as concentrações séricas de creatina quinase (CK) e lactato desidrogenase (LDH). A amostra foi constituída por nove ciclistas competitivos do sexo masculino (idade: 25,8 ± 3,4 anos; VO2max: 63,7 ± 6,7 ml kg-1 min-1). Para determinar as concentrações plasmáticas de CK e LDH foram coletados 5 ml de sangue da veia cubital do braço dos sujeitos antes e imediatamente após a realização de duas horas de ciclismo envolvendo 8 sprints de 15 s de duração.
Antes e após o teste de ciclismo também foram analisadas contracções isométricas voluntárias máximas.
Resultados e discussão: Foram observados aumentos significativos (0,05) nas concentrações plasmáticas de CK (48%) e LDH (11%) comparados aos valores basais. Além disso, ocorreu uma redução significativa (13%) na produção de força dos músculos extensores do joelho.
O presente estudo demonstrou que um protocolo simulando o aspecto intermitente do ciclismo, com duas horas de duração, provocou redução de força muscular, juntamente com alterações agudas nas concentrações séricas de CK e LDH e força muscular, indicando a ocorrência de dano muscular. »
O Laboratório de Biomecânica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis-SC, Brasil desenvolveu um estudo em que se propôs analisar os intermitentes de ciclismo sobre as concentrações séricas de CK e LDH e da força muscular de membros inferiores.
“De acordo com os resultados apresentados pelo presente estudo, conclui-se que o protocolo específico de ciclismo gerou alterações agudas significativas nas concentrações séricas de CK e LDH e na capacidade de gerar força dos músculos extensores da articulação do joelho. Modificações significativas no comportamento bioquímico de CK e LDH foram observadas, indicando de forma indireta a presença de dano muscular após um esforço de 2 horas envolvendo múltiplos sprints de 15 segundos”
Hoje é academicamente seguro afirmar que à medida que a duração do treino de ciclismo aumenta dos 40 minutos para as 2 horas a destruição muscular é inevitável. Treinos intensos de 2 horas, envolvendo múltiplos sprints de 15 segundos levam a uma sólida destruição de massa muscular. No caso de atletas que pedalem e corram de seguida a lógica é a mesma, ao correrem 5 km, seguidos de 30 ou 40 km de bicicleta e concluam com mais 2 ou 3 km de corrida, estão a concorrer à mesma para uma forte destruição do tecido muscular.
Naturalmente que a composição corporal de ciclistas é caracterizada por um baixo peso em consequência de uma diminuta percentagem de gordura e músculo. Nota-se também que existe efectivamente um desequilíbrio entre a massa muscular dos membros superiores e inferiores, com prejuízo para os membros inferiores.
Participações:
Cláudia Costa, Licenciada em Educação Física e Desporto e Instrutora de RPM e Spinning.
Camila Santos, Licenciada em Educação Física, Investigadora Cientifica na área da Engenharia Biomédica;
José Correia, Faculdade de Motricidade Humana.