O que é a musculação natural aplicada à corrida?

A musculação natural aplicada à corrida é um conceito criado pelo Professor Moniz Pereira que deu imensos resultados desportivos. Ao longo deste artigo vamos falar do treino de corrida, na perspectiva do distinto treinador. Moniz Pereira organizava o treino de corrida também por tipo de piso, visto que as capacidades físicas a trabalhar também são favorecidas pelas características do local onde os treinos ocorrem. Segundo ele, a corrida contínua deve ocorrer em pisos variados.

Na região da grande Lisboa existem várias soluções: serra, praia, piso rijo – alcatrão e terra batida. Moniz Pereira criou um conceito bastante interessante, a que chamou de musculação natural. Esta musculação natural não passava pelo ginásio, mas sim por espaços outdoor. Achamos interessante que atletas amadores e até mesmo pessoas que não pratiquem actividade física, vejam como se preparam os atletas de alto rendimento. Acreditamos e desejamos que possam entusiasmar-se e equacionar outras possibilidades de treino ao ar livre. A musculação natural aplicada à corrida é uma forma de trabalho muito interessante, também para atletas amadores.

Mulher corre nas escadas fazendo musculação natural.

Moniz Pereira tipificou os pisos da seguinte forma:

  • Duro (Alcatrão)
  • Semiduro (terra batida)
  • Brando (Relva, areia seca, que mimetiza a neve, areia dura (molhada) com ou sem os pés dentro de água.

Se reflectirmos sobre as sensações de correr em diferentes tipos de pisos, percebemos, claramente, que existem diferenças colossais entre a corrida na passadeira do ginásio e a corrida nestes diversos pisos. Desde logo, ao correr na passadeira dos ginásios existem menos músculos a serem solicitados, o piso é previsível e não exige as constantes adaptações a que obrigam os espaços ao ar livre. O próprio consumo calórico é maior em regime outdoor, do que em regime indoor. A corrida ao ar livre exige uma adaptação constante aos estímulos induzidos pela natureza irregular dos pisos.

A utilização de pisos variados, é aquilo a que Pereira considera de musculação natural para os corredores. O treinador nunca esteve de acordo com o treino de força com cargas externas. Muitos outros treinadores, até noutras modalidades, como o caso de José Mourinho no Futebol, preconizaram que os treinos devem reproduzir de forma, mais ou menos, analítica os momentos de competição.

A musculação natural aplicada à corrida é exactamente isso, quando por exemplo utilizamos subidas no trajecto do treino e ou quando fazemos séries de velocidade em rampas.

O próprio Carlos Queiroz desenvolveu um conceito bastante simples, mas bastante ilustrativo, onde refere que “o treino é a simplificação da estrutura complexa do jogo”. Nesse sentido, desenvolver treinos em que são aplicados os estímulos técnicos e tácticos da competição é a forma de aproximar o treino daquilo que os atletas vão encontrar em competição.

A metodologia de treino do mestre Pereira. A musculação natural aplicada à corrida, não deverá ser esquecida.

Hoje vemos muita gente a treinar na rua, em diversos locais e isso é de valorizar, porém no que toca à corrida é conveniente ir mudando os estímulos e por conseguinte os locais onde se desenvolve a corrida. Se analisarmos o método que o professor Moniz Pereira utilizava percebemos que também os atletas amadores podem e devem ir mudando os estímulos.

Moniz Pereira dividia a época desportiva em dois grandes períodos:

– Macrociclo de Inverno (Setembro/Março)

– Macrociclo de Verão (Abril/Setembro).

Nas primeiras seis semanas da época desportiva, o professor aplicava o método de corrida contínua, aumentando progressivamente a quilometragem. Quanto a nós, das coisas mais geniais do saudoso treinador foi precisamente a divisão planeada das localizações do treino, alicerçadas no conceito de musculação natural.

Pisos pré-definidos:

  • relva do campo de golfe;
  • estrada de terra batida;
  • areia da praia e alcatrão.

Planeamento para as primeiras 6 semanas de treino:

  • “1ª semana – 6 treinos diários de endurance de 12km cada um (72km);
  • 2ª semana – 8 treinos (2 bidiários) de 15km cada um (120km);
  • 3ª semana – 9 treinos (3 bidiários) de 15km cada um (135km);
  • 4ª semana – 10 treinos (4 bidiários) de 16km cada um (160km);
  • 5ª semana – 10 treinos (4 bidiários) de 16km cada um (160km);
  • 6ª semana – 11 treinos (5 bidiários) de 16km cada um (176km).

(Pereira, 1981)”

“Acima de tudo interessa o trabalho destinado a adquirir a endurance, base de todo o treino do corredor de meio-fundo e fundo.” (Pereira, 1981)

Portanto, o número de unidades de treino, no início da época, ia aumentando progressivamente até às 11 sessões semanais. Entretanto, uma vez que iam sendo introduzidos outros métodos de treino, diminuíam as sessões de treino contínuo.

Após concluídas sete semanas de treinos, o número de treinos semanais aumenta para dez de longa distancia, e um de ritmo de corrida. Este método manter-se-á até ao final da época de Inverno. No Verão, surgem novas modificações, tendo em conta o calendário de provas, e existe uma diminuição da intensidade dos treinos no sentido de poder ser mantida a forma já adquirida.

Quanto aos ritmos da corrida contínua não se sabe tudo sobre o que o treinador preconizava, sabe-se que dividia as sessões por ritmos entre lento, médio e rápido, contudo pela nossa própria experiência, ter uma boa base de quilómetros em método extensivo é meio caminho andado para bons resultados. Existem casos, onde usando apenas o método extensivo, atletas amadores com uma carga semanal baixa conseguem dobrar o registo dos 4 min/km aos 10 km, imaginemos o que conseguiriam se incluíssem mais volume e musculação natural. É muito comum em atletas amadores vermos corpos muito delgados, muito desgastados por só fazerem corrida plana, aí com certeza a musculação natural ia fazer a diferença.

Naturalmente que, este resultado é excepcional e acontece em casos onde a genética potencia o pouco treino que é feito. Contudo, estes exemplos são de pessoas que foram evoluindo, ao longo do tempo, treinando com uma carga mínima de quilómetros semanal (entre 30 a 40), mas com muita consistência nos treinos de todas as semanas e com presenças periódicas em competições.

Para o treino intervalado extensivo curto, o treinador entendia que este método de trabalho permitia ao atleta correr distâncias mais reduzidas às da competição, mas a um ritmo mais forte. Nas fases de melhoria da forma física, os treinos intervalados têm uma forte importância para ir empurrando o limiar de esforço para cima.

Treino intervalado extensivo médio

A este método Pereira classificava de treino de andamento e ritmo. Ocorria após o período inicial de seis semanas de corrida contínua e colocava-a no planeamento semanal, com excepção do período de transição do macrociclo de Inverno para o macrociclo de Verão e nas semanas anteriores ou posteriores a competições importantes.

Até ao final da época de Inverno apareciam então as séries de 1000, 1500, 2000 e 3000 metros.

Podemos concluir que ao longo do macrociclo de Inverno havia um aumento progressivo do volume e intensidade do método intervalado extensivo médio e no macrociclo de Verão dava-se uma redução do volume deste método e uma constância da subida da sua intensidade.

Treino de rampas – musculação natural aplicada à corrida

Era em Novembro que as rampas começavam a aparecer calmamente, sem grande velocidade e sem grande inclinação. O conceito de musculação natural aplicada à corrida estava muito presente neste método.

Treino intervalado intensivo

Ao treino intervalado intensivo, Pereira classificava de treino de velocidade. Este método era desenvolvido no macrociclo de Verão, em grande intensidade e ocorria em vez do treino de rampas. “Só nesta última fase fazemos, por vezes, as repetições em distâncias diferentes: 300m + 250m + 200m ou 250m + 200m + 150m.” (Pereira, 1981)

Naturalmente que, as cargas de treino aqui explanadas não são adequadas para atletas amadores, mas efectivamente podemos ver que existem múltiplas possibilidades de ritmos, métodos e locais que abrem caminho à melhoria da condição física, introduzindo sempre novas dinâmicas, onde não há lugar para o tédio. Obviamente que o conceito de musculação natural, também pode ser aplicado a atletas amadores, com a devido enquadramento. Um treino em serra pode ser considerado também musculação natural, visto que trabalha as fibras musculares rápidas, não só as lentas.

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